Em segundo lugar a sua poesia religiosa atrai-me porque se o sentimento é cristão, as imagens são todas na linguagem do Antigo Testamento. O Cristianismo não tem mitos, e sabe Deus a falta que lhe fazem. Essa lacuna torna-o mais sensível à loucura da cristalização da tradição, e às imputações abusivas e mirabolantes de tudo e mais alguma coisa à revelação. O Antigo Testamento pode ser brutal, violento, essas coisas todas que sabemos, mas tem uma linguagem e uma poesia próprias, e é isso que o torna tão fascinante: entra no mistério pela mão do mito, chegando a um lugar a que o Evangelho não consegue, não pode aceder.
E o génio de Tolentino, nos poemas que funcionam, é perceber isto e oferecer a linguagem do Antigo Testamento ao pobre mistério cristão, iluminada e esclarecida por dois mil anos de história ocidental, e a percepção de Deus como Mistério e Ausência presente.