sábado, 3 de setembro de 2022

Raízes Imaginárias (II)

Procuro lugares riscados do mapa
ou só uma cidade que exista na fenda,
entre o êxtase ignorante dos turistas
e a burguesia mal escondida
dos donos da poesia que rosnam
aos clientes indignos na Feira do Livro.
Procuro um silêncio de frestas,
do livro pousado no colo
no autocarro para os subúrbios,
da migração necessária
para um lugar um pouco menos errado,
o silêncio do alívio provisório
da poesia imatura aos quarenta
de finalmente ver o mar ao fim de dois
anos e não ser capaz de mergulhar
porque está frio e nublado
e ficar enrolada na toalha, esquecida de ler
porque o mar está frio mas ainda
me embala e não se quebrou
o meu conluio com as gaivotas.

*

O meu corpo não foi riscado do mapa
desde sempre existiu nas fendas
que alegria e morte introduzem no mundo,
o meu corpo desde sempre existiu.
Estendo a mão para as
frestas por onde entra o silêncio
que um dia cobrirá a criação
e por onde não sabemos
se a luz entra ou se extingue.

1 comentário:

  1. Obrigado, Inês. Há silêncios que valem mais que cantatas, este entrou pela minha fresta de janela aberta quando espreitei neste blog.

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