domingo, 30 de dezembro de 2018

Dezembro

A casa regressará ao seu calor
O Inverno ao seu Fogo
A noite à sua luz

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Feliz Natal

"Ao cristianismo ocidental sucede uma espécie de “paganismo da felicidade”, turbulento, comercial e irrisório, como o sinal do início do inverno — mesmo assim, alguma coisa existe que não conseguimos esquecer. Mesmo para quem não é cristão, a “quadra natalícia” é um pretexto para nos vermos. Sobrevivamos à solidão; isso será o bastante."

Faço minhas estas palavras. Feliz Natal.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

programa de vida

Estive para acrescentar um parêntesis no fim do post anterior que dizia: "um emprego que não me faça aquilo que um ano de callcenter quase conseguiu fazer, acesso regular à natureza, e um par de amigos que a vida não devore, e não pedia mais". E depois pensei que isso provavelmente já seria pedir demasiado. E depois apercebi-me que há dois anos não pensaria que isto seria pedir demasiado.
Esta fase má não é materialmente pior que outras, mas é aquela em que a sensação de que se calhar isto não é uma fase, mas a vida possível, é mais forte. E tenho medo de um dia passar a acreditar nisso. E é uma treta.

domingo, 21 de outubro de 2018

programa de vida

"I´ve been slowly wearing away at my ignorance."
Javier Marías, All Souls

Já não seria uma má vida.

Apophasis at the All Night Rite Aid

Not wanting to be alone
in the messy cosmology
over which I at this late hour
have too much dominion,
I wander the all-night uptown Rite Aid
where the handsome new pharmacist,
come midnight, shows me to the door
and prescribes the moon,
which has often helped before.

Catherine Barnett, "The Game of Boxes"



(Descobri o poema e a autora no blogue do Mário Gonçalves. É sempre um gosto apanhar boleia nos seus relatos de viagem, e diminuir um pouco a minha ignorância em relação à música clássica.)

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Globo

the globe
the globe
the globe



Um globo; a minha primeira caneta de tinta permanente; a poesia completa de Lorca em edição bilingue; um bule do Museu Victoria & Albert; uns headphones da Sennheiser, como os do meu irmão mais velho. Há algumas prendas que ficam connosco, que nos fazem sentir amados e conhecidos. Esta semana descobri que o meu globo, que tenho desde a primária, ainda acende. E as primeiras noites de Outono (tão bem vindas!) ficaram mais acolhedoras.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Os meus lugares

Ocreza
Setembro 2018

os meus lugares

old mill
old mill
old mill
old mill
Setembro 2018



Xisto, musgo, riachos, vestígios da vida. A Beira-Baixa do meu coração.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Os baús da Avó

inside the old chests
inside the old chests
inside the old chests
inside the old chests
inside the old chests
Dezembro 2013



Caixas velhas de madeira, náufragas de outros usos, que a minha Avó usava como baús. Têm cartas, livros, fotografias, bocados de tecido, agulhas e alfinetes, sabonetes, naperons, panfletos de devoção e tanto mais. Tanto da história e do coração da minha família aqui.

Raízes

fallen tree

Uma espécie de homenagem

Janeiro 2007


Dos arquivos, em homenagem a Helena Almeida. Sem pretensões, e com gratidão.

Helena Almeida (1934 - 2018)



***


Helena Almeida (1934 - 2018)

Foi, juntamente com Francesca Woodman, uma das minhas maiores inspirações quando comecei com esta coisa dos auto-retratos. Ainda este fim de semana pensava que tinha de voltar às brincadeiras com séries e iterações, que gostava tanto de explorar e que deixei para trás, nem sei bem porquê.
E como se não bastasse o seu trabalho extraordinário, nunca li uma entrevista dela que não me deixasse a sorrir, e ainda mais quando falava da cumplicidade com o marido, e da forma como ele a ajudava na parte prática das fotografias; como alguém que ainda hoje só consegue brincar aos auto-retratos com a porta do quarto fechada, a Helena Almeida ensinou-me uma coisa ou duas acerca da confiança e da vulnerabilidade, da liberdade e do sentido de jogo. Obrigada.

***

Às vezes parece que há um diferendo entre aquilo que pensou e aquilo que os críticos vêem nas suas obras.
O que eles vêem no meu trabalho muitas vezes não coincide absolutamente nada com o que quero e outras vezes coincide e ultrapassa.

A Isabel Carlos falava num acto sacrificial perante o altar de Veneza...
Mas não era. É uma obra aberta.

Mas se a Helena não fala do seu trabalho, é normal que cada um o interprete a seu modo...
Sim, mas se não falo é porque não sei. Acho que era amor ao atelier. ...Era amor ao meu pai por ter trabalhado aqui, por eu estar a trabalhar aqui."

(...)

Quando o seu marido entra nos seus trabalhos o que nos está a querer dizer?
Naquela imagem do banco, o banco é pequenino. Estamos agarrados um ao outro de uma maneira desesperada. É como se houvesse um buraco negro à nossa volta. É mesmo um buraco negro.

Sentia isso?
Sentia necessidade de o fazer, porque um de nós vais morrer antes. ["O quê?", pergunta Artur Rosa.] Nada! ["Um de nós o quê?", insiste Artur Rosa.] Um de nós vai COMER antes! Era esse o sentido. E é isso que lá está. O banco é estreito. É muito estreitinho."

(excertos de uma entrevista ao Expresso, a 8 de Outubro de 2016)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A alma & o humor de Musil

"How to describe it then? Whether one is at rest or in motion, what matters is not what lies ahead, what one sees, hears, wants, takes, masters. It forms a horizon, a semicircle before one, but the ends of this semicircle are joined by a string, and the plane of this string goes right through the middle of the world. In front, the face and hands look out of it; sensations and strivings run ahead of it, and no one doubts that whatever one does is always reasonable, or at least passionate. In other words, outer circumstances call for us to act in a way everyone can understand; and if, in the toils of passion, we do something incomprehensible, that too is, in its own way, understandable. Yet however understandable and self-contained everything seems, this is accompanied by an obscure feeling that it is only half the story. Something is not quite in balance, and a person pressed forward, like a tightrope walker, in order not to sway and fall. And as he presses on through life and leaves lived life behind, the life ahead and the life already lived form a wall, and his path in the end resembles the path of a woodworm: no matter how it corkscrews forward or even backward, it always leaves an empty space behind it. And this horrible feeling of blind, cutoff space behind the fullness of everything, this half that is always missing even when everything is a whole, this is what eventually makes one perceive what one calls the soul."

Quanto mais leio O Homem Sem Qualidades mais concordo que este é um dos grandes livros do Ocidente, e especificamente do século passado. Musil é um observador brilhante tanto da natureza humana, como das suas declinações próprias da modernidade - e a tal ponto que, lido hoje, por vezes parece presciente, como se tivesse sido capaz não só de descrever a sua época, como de prever nela a semente de uma quantidade de traços que me parecem facilmente reconhecíveis como específicos, ou pelo menos sintomáticos, da nossa pós-modernidade.
Mas como não bastasse a ironia aguda e certeira com que disseca tantas das nossas idiossincrasias, assumpções, tiques de classe e tanto mais, junta a isso um sentido de humor desarmante, que se exprime primeiramente nos títulos dos capítulos, e na maneira como estes frequentemente arrasam a circunspecção construída momentos antes. Neste caso, depois de uma reflexão existencialmente "pesada", que correlaciona a noção de alma com a falha e a ausência insanáveis, segue-se um capítulo que se intitula "Ideals and moralities are the best means for filling that big hole called soul". Enquanto a descrição do Império Austro-Húngaro e das suas personagens é feita num tom satírico mais ou menos convencional (mas não por isso menos eficaz e divertido), o humor dos títulos dos capítulos é todo um programa à parte. Musil interpela o leitor para que o siga, aponta-lhe caminhos possíveis, e depois dinamita-os. E o leitor, que aceitou levantar-se do sofá e lançar-se porque achava que ia seguir por trilhos já abertos, fica sem alternativa que não pegar na foice e na bússola e lançar-se ele mesmo ao trabalho.
Esta subversão constante é genial não só porque quebra o tom de maneira inesperada, mas porque mantém o leitor em bicos de pés, impedindo-o de procurar em cada uma das reflexões apresentadas a "verdadeira opinião" do autor/narrador, ou a "verdade final" do livro. De facto, Musil parece-me especialmente consciente de que uma das tentações mais típicas do leitor, especialmente quando confrontado com uma obra com um carácter fortemente reflexivo, é procurar uma chave de resposta, algo que responda cabalmente às perguntas levantadas, e que lhe permita aderir (ou repudiar) pessoal e taxativamente às reflexões apresentadas - dizer "sim, isto. Eu concordo com isto, revejo-me nisto" ou "Sim, é esta, é esta a personagem que sabe". E como sempre fazem os melhores escritores, Musil responde a esta tentação do leitor abrindo duas perguntas novas por cada resposta dada - ou como diria Cortázar, num dos meus textos favoritos, "como escrevo a partir de um interstício, estou sempre a convidar os outros a procurarem os seus e a olharem por eles". É que se por um lado é essa relação de empatia entre livro (escritor?) e leitor que nos torna leitores e escritores, por outro lado aquilo que nos torna bons leitores e bons escritores é a noção de que é através dos interstícios que se avista "o jardim onde as árvores dão frutos que, obviamente, são pedras preciosas" (Cortázar novamente). 
A particularidade de Musil que tem tornado esta leitura tão fascinante é a forma como este abrir de novos caminhos, depois de cada reflexão aparentemente cabal, é feito através de um humor que parece ao mesmo tempo profundamente irónico e de uma franqueza desarmante, mesmo quando é feito com subversão e dinamite. Fica-se com a impressão de que não é apenas fruto de uma escolha estilística, que procura simplesmente o maior efeito, mas da escolha de um escritor que decidiu ir tão longe quanto podia nas suas reflexões, sem se deixar cair na tentação de se levar demasiado a sério. Não sei se esta impressão corresponde ao que Musil realmente pensava sobre o seu trabalho e sobre o papel do escritor (ainda não li o suficiente para isso), mas sei que bastou para ganhar o meu entusiasmo.


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O capítulo "Ideals and moralities are the best means for filling that big hole called soul" é o 46 e foi até agora um dos melhores do livro, arrasando sem piedade a maneira "pequenina" com que a maioria de nós se relaciona, na prática, com os nossos pretensos ideais e ética pessoal, e como usamos essa ética pessoal como desculpa para fazer menos, em vez de fazer mais. Eu tenho andado muito às voltas com as relações entre liberdade, ética pessoal e criação, e talvez volte a este capítulo aqui no blogue, se conseguir pôr as minhas ideias em ordem em tempo útil.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Origens

"Um amigo meu, mau como as cobras, dizia que os meus livros eram genealogia. Eu acrescento alguma coisa a isto, dizendo que a genealogia se inclui na paixão da origem. É na origem que reside uma coroa real da perdida integridade humana; ela é, possivelmente, o indício de novas experiências e fortunas."

Agustina Bessa-Luís, "A genealogia nos meus livros" (Caderno de Significados, 2013). Ainda acerca da primeira nota de rodapé deste texto.

sábado, 30 de junho de 2018

British Museum (III) Monumento das Nereides

British Museum | The Nereid Monument
British Museum | The Nereid Monument
British Museum | The Nereid Monument

British Museum (II) Partenon

British Museum | The Parthenon Sculptures
British Museum | The Parthenon Sculptures

British Museum

Ao pensar na minha relação com as cidades cheguei à conclusão de que os museus são uma das minhas portas de entrada para uma cidade desconhecida, uma das primeiras coordenadas no mapa interior que vou formando. Londres não foi excepção, e conto o dia que passei sozinha na National Gallery, com a sorte de apanhar uma exposição temporária de Degas, e os meus primeiros impressionistas (sim, comecei a viajar tarde, sim, ainda está praticamente tudo por ver) como um dos mais felizes dos últimos anos.
Também tenho um carinho especial pelo British Museum, porque a Grécia Antiga (e depois, aos poucos, o resto do mundo antigo) foi o meu primeiro amor. Não tenho a certeza do que penso sobre a quantidade de obras que não estão nos países de origem, mas não posso negar que me emociono e agradeço a possibilidade de ver peças a que, de outra maneira, não teria acesso - inclusivamente algumas que se ainda estivessem no país a que pertencem, talvez já tivessem sido dinamitadas... Não tenho respostas definitivas para nada disto. Sei apenas que não estou disposta a menorizar o maravilhamento e a alegria que senti quando vi pela primeira vez um elmo grego, ou as esculturas e frisos do Parténon, ou o Monumento das Nereidas, que me apanhou de surpresa e me deixou muito próxima das lágrimas. Lembro-me que estive sentada durante muito tempo no banco em frente ao templo, sem vontade de tirar os olhos da escultura central, que me ensinou mais acerca do movimento, da dança e da alegria do corpo, que qualquer discoteca. Lembro-me do sentido de ritmo dos frisos do Parténon, quase musicais nas suas repetições e variações.
E lembro-me de olhar para aquelas esculturas e reforçar a minha suspeita de que as ideias e temas fundamentais da humanidade, no fundo, são os mesmos quase desde sempre, e que boa parte da cultura, desde a antiguidade, é um conjunto cada vez mais complexo de iterações, desvios e explorações sobre um conjunto de ideias mais ou menos fixo.* Era uma piada recorrente, na licenciatura de Filosofia, que não há nenhum assunto que não tenha sido já tratado - e melhor - por Platão; e sem querer reduzir dois milénios e meio de cultura ocidental a um "é derivativo", o que seria incrivelmente redutor e injusto, é difícil olhar para as esculturas gregas no British Museum e não pensar que, de certo modo, já ali está dito tudo o que se pode dizer.*
De qualquer modo, uma das melhores iterações desse "tudo que já foi dito antes" está provavelmente, no que toca à escultura, em Rodin, que têm por estes dias uma exposição no British Museum, em diálogo com a escultura grega clássica. Eu queria tanto estar lá, mas não vai dar; ficam então as fotografias que tirei nas minhas visitas. São a minha iteração pessoal desse essencial - elas sim provavelmente muito derivativas e batidas, mas dão de beber à sede e à saudade. À falta de um bilhete de avião, é melhor que nada.


*Ando também a brincar com a teoria de que, se um dos desafios mais problemáticos da modernidade é a destruição da tradição, sem uma reflexão aprofundada acerca da possibilidade de manter os valores de uma cultura sem manter as raízes que lhe deram origem; então um dos desafios mais problemáticos da pós-modernidade é o "excesso interpretativo" que corta qualquer possibilidade de relação com símbolos originais: agregações "puras" de sentido, cuja simples nomeação traduz a sua complexidade, mas que se escondem e se turvam assim que se tentam analisar. Acho que uma parte significativa da arte contemporânea é paradigmática desta incapacidade de ligação com o essencial (num sentido filosófico, não valorativo), de uma espécie de horror ao directo, que a leva a assumir muitas vezes uma pose tão dependente de uma complexidade exponencial, que se aproxima do obscurantismo voluntário. (Esta ideia é um esboço, e sei que só estou a dizer mal algo que de certeza já alguém disse muito melhor que eu, portanto não me batam muito, ok?)
* Mas, por outro lado, não está de certa maneira "tudo dito" em cada obra de arte?





British Museum | The Parthenon Sculptures
British Museum | The Parthenon Sculptures

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Dance yourself clean

https://www.nunoconceicao.com/blog/lcdsoundsystem-coliseudosrecreios-20180619
© Nuno Conceição (site | facebook | instagram)


LCD Soundsystem, ontem à noite no Coliseu de Lisboa, não foi só um concerto: foi um reencontro (com a dança, com uma certa ideia de mim, com este tipo de concertos em que dissolver-me na multidão, ao contrário do costume, não me afoga mas me liberta), e uma catarse. Cantar "Enemies haunt you with spit and derision, but friends are the ones who can put you in exile", berrar a "Where are your friends tonight?" aos pulos, naquele final de festa e catarse, de desilusão transformada em euforia colectiva, tão típica das canções do James Murphy, e sentir-me, mais que acompanhada, leve. I did dance myself clean.

sábado, 26 de maio de 2018

O Porto

Sentada nas escadas laterais da fonte na Praça da Ribeira, olho os edifícios bonitos, o rio, as esplanadas cheias de turistas; leio o volume de poesia que comprei na Lello. Penso que todos elogiamos a Viagem e criticamos os turistas; e que todos achamos que turistas são os outros, e que eles são ridículos por tirarem tantas fotografias, mas que as nossas são sempre justificadas e boas.
Toco o granito da fonte, das igrejas. Granito, ruelas, casas escuras; acho que isto tem mais a ver comigo que Lisboa, e que isso diz alguma coisa sobre mim, que ainda não sei pôr por palavras. Tenho de me ir embora e não me apetece. De qualquer modo, aqui estou em casa.

Porto, Abril 2018

Enredo

Enredo
Enredo



"A hesitar
em ser arrebatada
ou ser enredo"

A Pele (excerto), Maria Teresa Horta

Enredo

enredo
enredo



"A hesitar
em ser arrebatada
ou ser enredo"

A Pele (excerto), Maria Teresa Horta

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Rosto

If I make the lashes dark
And the eyes more bright
And the lips more scarlet,
Or ask if all be right
From mirror after mirror,
No vanity's displayed:
I'm looking for the face I had
Before the world was made.

Before The World Was Made (excerto), W. B. Yeats 


(A propósito disto aqui, aqui, aqui e aqui.)

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Untitled

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Untitled

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Untitled

segunda-feira, 9 de abril de 2018