"Sei Shonagon does not classify, she enumerates and then starts again."
Brief Notes On The Art And Manner Of Arranging One's Books, Georges Perec
É uma das minhas estratégias de sobrevivência mais essenciais, aqui descrita com uma elegância que eu nunca conseguiria, perfeitamente borgiana (borgesiana?...). Enumerar os lugares que amo e depois recomeçar. Tocar todos os objectos que fazem desta casa um abrigo e depois recomeçar. Tirar a mesma fotografia uma vez e outra e outra e outra e outra, "mas tu não fotografaste já isso?" e depois recomeçar. Ler as mesmas passagens dos mesmos livros que me consolam e depois recomeçar. Passar pela mesma ruela, entrar sempre na mesma livraria, parar sempre na mesma montra, e depois recomeçar. Há nas pessoas que nomeiam e reiteram, se forem todas como eu, sempre um ligeiro toque de febre, de pânico de que as coisas se desfaçam se não as convocarmos incessantemente. Não é verdade: há sempre um ligeiro toque de febre, de pânico de que nos desfaçamos se não convocarmos incessantemente as coisas que nos sustentam. Não foi por nada que Calvino previu também a cidade de Thekla: "If you ask "Why is Thekla's construction taking such a long time?" the inhabitants continue hoisting sacks, lowering leaded strings, moving long brushes up and down, as they answer "So that its destruction cannot begin." And if asked whether they fear that, once the scaffoldings are removed, the city may begin to crumble and fall to pieces, they add hastily, in a whisper, "Not only the city."
Brief Notes On The Art And Manner Of Arranging One's Books, Georges Perec
É uma das minhas estratégias de sobrevivência mais essenciais, aqui descrita com uma elegância que eu nunca conseguiria, perfeitamente borgiana (borgesiana?...). Enumerar os lugares que amo e depois recomeçar. Tocar todos os objectos que fazem desta casa um abrigo e depois recomeçar. Tirar a mesma fotografia uma vez e outra e outra e outra e outra, "mas tu não fotografaste já isso?" e depois recomeçar. Ler as mesmas passagens dos mesmos livros que me consolam e depois recomeçar. Passar pela mesma ruela, entrar sempre na mesma livraria, parar sempre na mesma montra, e depois recomeçar. Há nas pessoas que nomeiam e reiteram, se forem todas como eu, sempre um ligeiro toque de febre, de pânico de que as coisas se desfaçam se não as convocarmos incessantemente. Não é verdade: há sempre um ligeiro toque de febre, de pânico de que nos desfaçamos se não convocarmos incessantemente as coisas que nos sustentam. Não foi por nada que Calvino previu também a cidade de Thekla: "If you ask "Why is Thekla's construction taking such a long time?" the inhabitants continue hoisting sacks, lowering leaded strings, moving long brushes up and down, as they answer "So that its destruction cannot begin." And if asked whether they fear that, once the scaffoldings are removed, the city may begin to crumble and fall to pieces, they add hastily, in a whisper, "Not only the city."
Olá Inês, não espera que eu deixe passar um texto destes em claro sem reagir, pois não? Lindo, como todos, mas toca em quase todas as notas que me fazem entrar em ressonância - Borges, Calvino...
ResponderEliminarEnumerar e recomeçar, eu só adicionava às que refere e que pratico com gosto, as músicas - ouvir de novo as músicas de que mais gosto, enumerá-las e depois recomeçar.
A Tecla de Calvino foi uma inspiração. Não resisto, vou também usá-la no meu blog, if you permit me. Lamentei só que a Inês usasse tradução inglesa. O italiano é tão expressivo... e o final magnífico,
"Scende la notte sul cantiere. E’ una notte stellata. “Ecco il progetto” – dicono."
(Cai a noite sobre o estaleiro. É uma noite estrelada. "Aí está o projecto", dizem.)
Sublimes escassas palavras.
Obrigado, Inês, por todas as sensações e recordações que levanta nos seus textos.