O anti-semitismo não chega para explicar o Holocausto. Toda a Europa odiava os Judeus. Virginia Woolf não teve grandes dificuldades em casar com um e manter o seu anti-semitismo. O que a Alemanha teve que os outros países não tiveram foi uma religião cívica e estatal que, apoiada e agressivamente difundida pelo mainstream, deu à psique colectiva autorização para se embebedar de ódio e violência, de barbárie, sem o peso da culpa, vergonha e consequências morais e legais. Que é exactamente o que temos hoje.
O que aconteceu no fim de semana que antecedeu o primeiro aniversário do 7/10? Manifestações anti-semitas por toda a Europa, onde se acusa Israel de "genocídio" por ter sido atacado, e se diz que as violações não aconteceram e foram merecidas, e se desfila sob bandeiras do Hamas e do Hezbollah, e se pediu o regresso das câmaras de gás. Na Alemanha uma menor judia só não foi linchada pela multidão porque a polícia chegou a tempo.
Impossível não pensar no poema de Kavafis, que nos viu bem. Kavafis ironiza e, no fim do poema, os bárbaros não vêm. Na realidade chegaram há um ano. E nesse dia o maior triunfo do Hamas (ou seja, do Irão e da Rússia) não foi a quantidade de Judeus que conseguiram massacrar, mas o facto de terem conseguido, depois de décadas de esforços, finalmente cumprir o seu objectivo: instalar bem fundo a barbárie no coração do Ocidente. A sete de Outubro de dois mil e vinte e três os bárbaros chegaram, e foram recebidos com a pompa e a glória que o poeta previu. E o Ocidente está tão, tão grato e aliviado pela carta branca que recebeu para se embebedar, mais uma vez, de barbárie, sem o peso da culpa, vergonha e consequências.