Vivo num silêncio incompleto,
cheio de palavras que
não é tempo de dizer;
espero a construção
de uma catedral de silêncio
perfeito e imenso,
que há-de inundar tudo
e inaugurar a escrita.
Até lá procuro a noite
à beira da falésia,
o ruído do mar sob
o Cisne como um barco
em que hei-de embarcar,
e as minhas palavras não pertencem
aos amigos, aos convivas,
mas à escrita concretizada
nessas grandes marés.
Ou só ao espaço
imperfeito e quotidiano
onde a escrita se constrói
ainda que não se realize.
Ainda que fique por aqui,
numa espera onde só de
muito em muito tempo
se avista o outro lugar,
será uma realização fulgurante
da minha vida,
de resto alheia e distraída
entre os comensais,
sempre demasiado longe do mar
que ruge às duas da manhã.