sexta-feira, 22 de novembro de 2024

In Warsaw

What are you doing here, poet, on the ruins
Of St. John’s Cathedral this sunny
Day in spring?

What are you thinking here, where the wind
Blowing from the Vistula scatters
The red dust of the rubble?

You swore never to be
A ritual mourner.
You swore never to touch
The deep wounds of your nation
So you would not make them holy
With the accursed holiness that pursues
Descendants for many centuries.

But the lament of Antigone
Searching for her brother
Is indeed beyond the power
Of endurance. And the heart
Is a stone in which is enclosed,
Like an insect, the dark love
Of a most unhappy land.
I did not want to love so.
That was not my design.
I did not want to pity so.
That was not my design.
My pen is lighter
Than a hummingbird’s feather. This burden
Is too much for it to bear.
How can I live in this country
Where the foot knocks against
The unburied bones of kin?

I hear voices, see smiles. I cannot
Write anything; five hands
Seize my pen and order me to write
The story of their lives and deaths.
Was I born to become
a ritual mourner?
I want to sing of festivities,
The greenwood into which Shakespeare
Often took me. Leave
To poets a moment of happiness,
Otherwise your world will perish.

It’s madness to live without joy
And to repeat to the dead
Whose part was to be gladness
Of action in thought and in the flesh, singing, feasts
Only the two salvaged words:
Truth and justice.


Czeslaw Milosz

domingo, 17 de novembro de 2024

Impressionismo nocturno

Vivo num silêncio incompleto, 
cheio de palavras que não é tempo de dizer;
espero a construção de uma catedral de silêncio
perfeito e imenso, que há-de inundar tudo
e inaugurar a escrita. 
Até lá procuro a noite à beira da falésia,
o ruído do mar sob o Cisne como um barco
em que hei-de embarcar,
e as minhas palavras não pertencem
aos amigos, aos convivas,
mas à escrita concretizada
nas nessas grandes marés.
Ou só ao espaço imperfeito e quotidiano
onde a escrita se constrói ainda que não se realize.
Ainda que fique por aqui, numa espera onde só de
muito em muito tempo se avista o outro lugar, 
será uma realização fulgurante da minha vida,
de resto alheia e distraída entre os comensais,
sempre demasiado longe do mar
que ruge às duas da manhã.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Personagens sem contos

Tinha um aspecto que misturava ar de filha do meio esquecida de uma nobreza empobrecida, e o ar acossado de alguém que cresceu na miséria sórdida e que nunca, por mais anos de bonança que viva, consegue livrar-se da sensação de ser uma impostora no meio do mundo civilizado. O seu estilo era a imagem fiel e transparente disto, para quem soubesse lê-lo: roupa de bom corte e gosto excepcional, mas muito coçada ou barata: umas botas de boa pele demasiado deformadas pelo uso, uma blusa de corte impecável mas de má qualidade que escondia buracos remendados demasiadas vezes. Mas a sua tragédia era sobretudo visível no peso patético e desesperado de um rosto que se julga desprezível, como se carregasse um pecado ou vergonha inapagável, e que manchava o que poderia ter sido uma presença fulgurante, entre a maquilhagem e cabelo de mulher fatal e a roupa anacrónica, fora do tempo, de uma elegância desusada e quase austera. Tantas mulheres matariam por essa capacidade de impôr uma presença que não dependia da beleza, da sorte na lotaria do rosto, e ela desperdiçava-a em vergonha de existir. Era incompreensível, uma vez que o seu aspecto era uma vitória sua, uma criação nascida do desespero de amor à vida que a atormentava e alimentava. E no entanto não conseguia colher os louros dessa criação que seria, em qualquer outra pessoa, um triunfo da vontade.

Cerco

“Dos cânticos, resta quase nenhuma sonoridade: um monge a escrever no avesso do século.”
Vasco Graça Moura

O que pode uma casa
numa cidade transitória,
num exílio desejado e ressentido?
É um sótão sem tesouros,
um ninho no chão
ou uma torre de astrónomo?
O que pode uma casa
numa cidade passageira
em que se vive como um viajante
retido num cerco?
Passo o tempo em conversa
com fantasmas, guardiões,
escribas no avesso dos séculos;
meço os passos sob a abóbada
estrelada da nossa memória
de cidades e de pó.

Concêntricos

O poema:
aproximações sucessivas
ao sagrado. um seixo
que perturba várias vezes
a superfície tensa do mistério
e depois se afunda

Igreja de Santa Madalena

Sobe as escadas da igreja velha
solene no centro da cidade
entre turistas e locais irritados
mas não entres
É no átrio a meio caminho
entre silêncio e eléctricos apinhados,
é na casa de ferramentas comida pela vegetação,
no tanque de pedra de uma casa senhorial
tomada pelo musgo e pela imensidão
nas suas águas verde-escuro
que perturbas com uma pedra
para quebrar o feitiço do sagrado
que avança nas hastes das heras
e te assusta,
que me encontrarás.

Yes, I dream of the Central Line

“I understand how the Underground can become an essential part of the personality. My dreams and memories have always been associated with the Central Line. I was brought up in East Acton, and educated at a school in Ealing Broadway. At various points of my early life I lived at Shepherd’s Bush, Queensway and Notting Hill Gate. When I worked in an office I alighted from the train at Tottenham Court Road and then, at a later date, at Holborn or Chancery Lane. The Central Line was one of the boundaries or lines of my life. Now that I am beyond its reach, I feel free. Yet, like the escaped prisoner yearning for his dungeon, I often dream of the Underground. I dream of lines going to improbable destinations all over the world. I dream of strange encounters on platforms with people I seem to know. I dream of coming up for air and being confronted by a transformed cityscape. I dream of running down passages in search of a platform. I dream of gliding down vast escalators. I dream of crossing the live rails from platform to platform. I dream of standing unsteadily in a carriage as it rattles along. And, yes, I dream of the Central Line.”

Peter Ackroyd, London Under: The Secret History Beneath The Streets