Na pequena catedral de Saint-Lizier
perdida no século doze nos Pirenéus
de onde, na abside, um Pantocrator
muito antigo e alarmante nos
observa de olhos muito abertos,
como se espantado de nos ver ali,
existe também uma Anunciação
num fresco erodido e pouco iluminado.
Do anjo vemos o rosto, as asas, e do corpo
o gesto adivinhado do joelho no chão.
Da Virgem resta uma mão cruzada
perdida no século doze nos Pirenéus
de onde, na abside, um Pantocrator
muito antigo e alarmante nos
observa de olhos muito abertos,
como se espantado de nos ver ali,
existe também uma Anunciação
num fresco erodido e pouco iluminado.
Do anjo vemos o rosto, as asas, e do corpo
o gesto adivinhado do joelho no chão.
Da Virgem resta uma mão cruzada
em espanto sobre o peito, outra que talvez
procure a solidez do banco
contra a invasão do sagrado,
e a pomba que desce dos céus
com a certeza de uma seta
que sabe que não falhará o alvo.
Entre os dois, ocupando
quase todo o espaço, a pedra clara que
o tempo devolveu à sua nudez inicial;
entre os dois, o espaço
indizível e nu do sagrado.
Irrepresentável?
A fresta de silêncio que o tempo impôs
na sombra do fresco podia sustentá-lo,
mas não creio que se tenha desfeito
o trabalho do pintor —
essa luta de Jacob com o Anjo
que tenta conter a imagem poética,
a experiência antiquíssima do sagrado,
na linguagem, no gesto do pigmento;
o tempo apenas se encarregou,
no seu longo trabalho de erosão,
de iluminar a inutilidade e a nobreza
dessa teimosia de que não
sabemos prescindir.
As figuras interrompem a sua representação
e sussurram entre si, atentas
a quem entra, e ao trabalho
que o abismo do sagrado
e a pulsão iluminante da poesia
farão, ou não, de cada um.
(A fotografia está péssima e tremida, mas os frescos tinham pouca iluminação, uma questão de conservação, imagino.)
procure a solidez do banco
contra a invasão do sagrado,
e a pomba que desce dos céus
com a certeza de uma seta
que sabe que não falhará o alvo.
Entre os dois, ocupando
quase todo o espaço, a pedra clara que
o tempo devolveu à sua nudez inicial;
entre os dois, o espaço
indizível e nu do sagrado.
Irrepresentável?
A fresta de silêncio que o tempo impôs
na sombra do fresco podia sustentá-lo,
mas não creio que se tenha desfeito
o trabalho do pintor —
essa luta de Jacob com o Anjo
que tenta conter a imagem poética,
a experiência antiquíssima do sagrado,
na linguagem, no gesto do pigmento;
o tempo apenas se encarregou,
no seu longo trabalho de erosão,
de iluminar a inutilidade e a nobreza
dessa teimosia de que não
sabemos prescindir.
As figuras interrompem a sua representação
e sussurram entre si, atentas
a quem entra, e ao trabalho
que o abismo do sagrado
e a pulsão iluminante da poesia
farão, ou não, de cada um.
(A fotografia está péssima e tremida, mas os frescos tinham pouca iluminação, uma questão de conservação, imagino.)