Tinha um aspecto que misturava ar de filha do meio esquecida de uma nobreza empobrecida, e o ar acossado de alguém que cresceu na miséria sórdida e que nunca, por mais anos de bonança que viva, consegue livrar-se da sensação de ser uma impostora no meio do mundo civilizado. O seu estilo era a imagem fiel e transparente disto, para quem soubesse lê-lo: roupa de bom corte e gosto excepcional, mas muito coçada ou barata: umas botas de boa pele demasiado deformadas pelo uso, uma blusa de corte impecável mas de má qualidade que escondia buracos remendados demasiadas vezes. Mas a sua tragédia era sobretudo visível no peso patético e desesperado de um rosto que se julga desprezível, como se carregasse um pecado ou vergonha inapagável, e que manchava o que poderia ter sido uma presença fulgurante, entre a maquilhagem e cabelo de mulher fatal e a roupa anacrónica, fora do tempo, de uma elegância desusada e quase austera. Tantas mulheres matariam por essa capacidade de impôr uma presença que não dependia da beleza, da sorte na lotaria do rosto, e ela desperdiçava-a em vergonha de existir. Era incompreensível, uma vez que o seu aspecto era uma vitória sua, uma criação nascida do desespero de amor à vida que a atormentava e alimentava. E no entanto não conseguia colher os louros dessa criação que seria, em qualquer outra pessoa, um triunfo da vontade.
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