Acontece que ultimamente a primeira faceta perdeu sinceridade e naturalidade (viva o instagram, por mais que uma pessoa jure que não se deixa influenciar por essas coisas?), e a segunda anda desaparecida em combate. Tenho umas quantas ideias em relação à segunda (Ariadne; 52 semanas de auto-retratos com temas pré-estabelecidos (que até já seleccionei); a sempre adiada colecção em livro de-mim-para-mim ou em exposição (partindo do princípio bastante optimista de que alguém me quereria expôr) das minhas fotografias do Pergulho e da Casa do Forno); e na pouca paciência que de vez em quando lá vou arranjando para o instagram, tenho feito por mudar o foco da primeira faceta para a segunda, menos manipulável por vontades (ainda que inconscientes) de mostrar só o bonito. Além disso, deixei um pouco de lado o portfolio "bonito" que tinha no Carbonmade, e estou a tentar uma organização mais comedida, pensada e estruturada no Behance, e que sinto que foi até agora o melhor passo no caminho certo). Só que não me apetece, ou não tenho de momento espaço mental para mais. Nem tenho saudades de fotografar, e isso é novo e deixa-me um pouco triste.
Não é o fim do mundo, não é reflexo de nenhuma tragédia pessoal. Mais que qualquer outra coisa, cada vez mais tenho a certeza de que a ideia do artista atormentado é das maiores patranhas que os últimos séculos nos impingiram. É que no fundo é fácil: quando se chega aos trinta e cinco sem conseguir passar de um trabalho de callcenter; quando as tentativas de não se deixar afogar nisso, procurando os círculos onde supostamente estariam os nossos pares, apenas mostram a incompetência e burocracia da academia e o pedantismo em circuito fechado da cultura, onde quase sempre só se entra por nascimento ou cunha; quando todos os dias há mais um amigo a ser comido pela falta de perspectivas e a finalmente desistir de sequer tentar - isso não dá uma alma a rebentar pelas costuras de inspiração e vontade de criar, dá é um cansaço muito grande.
E eu até faço parte do pequeno grupo das pessoas com sorte, porque ainda não desistiram completamente. E que sinta um nó no coração é bom sinal, porque a alternativa é a apatia, e eu sei que ela é mais perigosa que qualquer raiva. Acho que devia escrever, mas as coisas de que precisaria de falar são-me demasiado próximas e estão em carne viva, e não sei se tenho mãos que cheguem para as contar da maneira lúcida que gostaria, e conheço-me demasiado bem para não levar a sério a tendência para o sentimentalismo e para a auto-biografia que ameaça tudo o que escrevo com a mediocridade (desisti da poesia por isso, se a minha voz em prosa já é sentimental, na poesia é um verdadeiro desastre. E eu sei que para chegar a fazer bem é preciso fazer mal primeiro, mas não me digam que "mais vale fazer mal do que não fazer"; se a ideia do génio que cria sem qualquer treino é uma patranha, a ideia de que, para criar, ter talento ou não ter é igual, não me deixa muito mais sossegada).
"Assim como acabo um livro e algo fica por dizer, na vida dá-se a mesma coisa. Não é grave." dizia numa entrevista a Agustina. Um dia vou ter saudades da máquina ou da caneta e do caderno, e voltarei a criar, ou a deixar-me disso de vez; seja como for, não será grave.