terça-feira, 8 de julho de 2025

Fogo marítimo

Ter casa no infinito,
no conhecimento instintivo
das imagens iniciais em que o sentido
antecede a explicação,
e não ter medo da beleza
que homens sábios e tolos
dizem ser terrível,
proíbe uma casa confortável
na linguagem.
Poucas distâncias serão
tão longas como a que vai
do corpo no mar ou no fogo
à língua encerada dos homens,
desaguada nestes séculos XX e XXI.
Descobri que “fogo grego”
não é o nome original dessa 
substância de clarão e mito,
a que os Bizantinos
chamavam, entre outras coisas,
pŷr thalássion, fogo do mar.
É disto que falo, de uma civilização 
que acredita nas possibilidades da poesia,
apesar de nenhuma derivação explicativa 
poder ser mais iluminante, mais bela, 
mais justa, que dizer “fogo marítimo”
e deixar, depois, que o silêncio reine.
E no entanto também eu defendo
este abrigo com devoção e fúria,
esta arquitectura de labirintos e clarões
alicerçada na pulsão dos desejos 
e no desejo sensível da lucidez,
e não sei que fazer da suspeita
de que, por vezes, a linguagem 
é uma traição às imagens que 
primeiro fundaram o instinto poético,
um vício de excesso interpretativo, 
uma danação de espelhos.
E no entanto também eu procuro
a textura áspera e consoladora
sob a mão que desliza no papel;
tão real como o fogo ou o mar
que não sei se assim traio ou repercuto
nos ossos, na pele, no instinto
desse mundo inicial que não sei 
se me pede silêncio ou iluminação. 

1 comentário:

  1. Não saber, Inês, é o passo inicial ou o passo final? Silêncio e iluminação, não dois propósitos de ter casa no infinito?

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