terça-feira, 8 de julho de 2025

Linguagem

Escrevo outras coisas sem que a dúvida me tire o sono. Temos que nos entreter com alguma coisa, e ler, escrever e caminhar (e estar junto ao mar, quando me deixam) são o que sei. Mas quando não resisto à insensatez de me entreter com poemas, depois fica sempre uma sensação de implosão e de traição. A poesia é a pretensão de trazer para o domínio da linguagem experiências que são ancoradas num mundo que antecede a palavra. Um mundo que é difícil de avistar no quotidiano, e que é ocultado pela pobreza, e às vezes a riqueza, as tragédias familiares ou sociais, a falta de ferramentas mentais para o reconhecer e procurar, os defeitos que nos fazem seus reféns, o que for. E eu, que reconheci muito cedo a sorte de saber encontrar o caminho para ele e de o habitar com uma facilidade talvez pouco habitual, sei também desde muito cedo que a minha casa nunca foi a linguagem.  Saber habitar esse mundo e saber dizê-lo são duas coisas diferentes, que se podem conjugar em múltiplas constelações. E parece-me sempre uma traição e uma inutilidade, sair daquela que é a minha.
O único consolo que tenho nesses momentos em que não resisto ao trespasse, é que por cada novo poema que escrevo, geralmente retiro pelo menos um par de poemas velhos à minha colecção. O que significa que quanto mais trespassar, mais perto estarei da perfeição poética que me é possível: chegar ao silêncio.  Foi o mesmo Ungaretti que criou o poema mais perfeito da humanidade, esse espantoso “Mattina” de sete sílabas, de uma concentração poética tão extraordinária que só a consigo descrever como existindo no ponto exacto em que o colapso de uma estrela passa à explosão, foi esse mesmo Ungaretti que disse, numa entrevista, que “a palavra é impotente. A palavra jamais nos dará o segredo que se esconde em nós, jamais o avizinha”.

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