terça-feira, 1 de setembro de 2020

Leiden

Leiden é das minhas cidades favoritas. Apesar da antiguidade e fama que deve à sua universidade, parece-me sempre pequena e calma. No meio das visitas que faço a Amesterdão para visitar família, tem sido um lugar para passear com tempo, sem obrigação de bater pontos de interesse obrigatório entre multidões. Começamos sempre na mesma praceta sossegada e bonita, onde está um café lindo com um nome impronunciável ('t Suppiershuysinghe) em que sabe bem ficar sentado na esplanada, ou num canto junto à janela, a ler e a beber chá. 





Na altura da minha segunda visita escrevi: "Esta tarde foi muito boa para mim. Voltámos, só eu e o B., a Leiden, numa tarde fresca e solarenga de Outono; passeámos pelas ruas, descobrimos a pequena muralha circular rodeada de árvores e de casas com terraços apetecíveis, e que tinha no seu interior um conjunto de três ou quatro plátanos gigantescos, que enchiam o chão de folhas castanhas e que davam ao lugar um ar de claustro arejado e sereno, onde apetecia empoleirar-me entre dois torreões da muralha, a ler. E voltámos ao nosso café na praceta atrás do Museu de Arqueologia, onde eu queria tanto regressar e que me fez sentir que mesmo que a tarde não tivesse tido mais nada, já teria valido a pena por isto. Sentámo-nos no interior, num canto ao lado de uma janela, e lemos, enquanto bebíamos o nosso café e chá (de jasmim, mesmo bom), e eu achava as minhas fotografias desta viagem, nos meus amados calmos vazios: a luz que entrava pela janela com uma suavidade imensa, o livro novo ao meu lado, a companhia do B., a mochila como um bocadinho de ninho que podemos levar connosco."






Não tenho muitas fotografias de Leiden e, estupidamente, nenhuma do interior da muralha circular, que era linda. Mas foi ao fim da tarde, já me doíam as pernas, e o lugar era tão bonito que nos sentámos apenas a conversar e a ver a vista. Ficam as fotografias da praceta do café, de um par de ruas e pouco mais, mas já ajuda a matar as saudades.






E fica ainda esta recordação preciosa: que na altura me sentia um pouco à deriva, e que houve uma sensação de reencontro pacificado comigo mesma e com as coisas. Tudo por causa de um café calmo numa praceta bonita de uma cidade europeia; e da boa companhia, que percebe coisas como ficarmos os dois sentados a ler; e do Outono, que ali nos achou, e que torna tudo melhor. Queixei-me antes de que fiquei com fotografias por tirar em Leiden, e é verdade (essa crise já me tem uns anos). Mas também é verdade que há imagens que têm, sozinhas, mais poder evocativo e consolador que muitas outras juntas, e eu tenho essa imagem para Leiden. E isso já é tanto.







--------
(Andei a matar saudades de outras paragens através das minhas fotografias e, inspirada pl'O Livro de Areia (que tem sido um consolo nestes dias), decidi partilhar algumas por aqui.)

2 comentários:

  1. E agora, Inês, que vou eu dizer? Que já li três vezes, que a Inês escreve com um poder evocativo muito bonito de que eu nunca serei capaz, que as fotos não são digitais nem muito definidas mas traduzem uma sensibilidade que não consigo com as minhas, que quando li que o meu blog tem sido um consolo tive um choque, como o de saber que ao fim de doze anos nunca tive uma reacção assim comovente, ainda nem acredito no que li.

    Estou a trabalhar em vários posts, nos intervalos de varanda e passeio marítimo. Possivelmente não conseguia melhor situação em Covidemia. mesmo assim é terrível, ninguém visita nem quer ser visitado, tenho a mãe enclausurada a perder memória cada dia que passa, sinto uma falta angustiante de concertos e viagens, e a perspectiva da Casa da Música com máscaras e metade das cadeiras vazias não ajuda. É uma vida triste, e percebo - mas não aceito - os grupos excessivos de jovens abraçados em convívio superbock. Nem aceito os aviões e gares à cunha. Todo este ambiente ambíguo, sem fim à vista, limitativo, só comparável ao que se vivia sob a ditadura, é cada vez mais insuportável.

    Vou postar sobre o Museu Britânico. É um dos locais onde o Universo humano no seu melhor está ao nosso alcance, é um cosmos de espanto e suspensão das coisas mundanas. Espero que venha a gostar, é o melhor que consigo à falta de viagem... quem dera a Inês pudesse voltar a Leiden, e eu ir lá tomar um café consigo no Suppiershuysinghe.

    [bedankt, heel erg bedankt]

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mário, muito obrigada pelas suas palavras. Mesmo para uma misantropa para quem a solidão às vezes é uma necessidade, nunca deixamos de sentir falta de relações, seja com os outros ou com as coisas, e nesta altura em que ambas as "modalidades" estão tão limitadas, estas conversas que os blogues permitem ganham um valor ainda maior, e agradeço-lhe por isso, e por esta sua partilha franca.
      A seguir vou espreitar o seu post sobre o Museu Britânico, sobre o qual partilho a sua opinião; é um lugar que me é muito querido, e sobre o qual creio que já falei aqui.

      Apesar de tudo quero acreditar que um dia as viagens voltarão a ser possíveis, nem que seja daqui a uma década, e que entretanto havemos de encontrar (ou reencontrar) maneiras de não perder o significado e as relações. Não é em Leiden, é aqui da minha secretária, mas brindemos a isso.

      Eliminar