Abrigos espalhados pelos caminhos da transumância, abertos a quem os souber reconhecer: um espelho pousado no chão, à espera de lugar definitivo; uma luz nova na entrada, mais quente, que faz com que chegar a casa seja chegar a casa; as primeiras chuvas, os vestidos com collants e os pijamas mais quentes; livros que se devoram em quarenta e oito horas; fotografias que nos transportam aos momentos felizes em que foram tiradas; rajadas de escrita depois de anos sem escrever; canções que se redescobrem exactamente quando faziam falta.
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
O quase e a Casa
(O que são os auto-retratos, se não tentativas de tornar um "quase" suportável? Pequenas mitologias e efabulações que permitem lidar com as insuficiências, e dão a sensação de que o nosso lugar no mundo e a imagem que passamos não estão completamente fora do nosso controlo. Hoje li uma passagem de Beckett que dizia "E inventam-se escuridões" e pensei que sim, inventamos escuridões pequeninas, manejáveis, pequenas epopeias a que controlamos o fim, como forma de fazer frente à escuridão maior que são o caos e o sem-sentido, e esse medo fininho de que não haja um lugar onde nos reconheçam, e a que se possa chamar Casa.)
Outubro 2017
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
Cafés & leituras de Outono
Ir ao Brown's, em plena Baixa, tem mais de wishful thinking que outra coisa qualquer: eu gosto muito da decoração interior, que é das minhas favoritas em Lisboa, e me dá vontade de escolher uma mesa de canto e ficar ali algum tempo perdida num livro, com um chá e um doce; na teoria, sinto-me ali muito bem. Só que a música geralmente está tão alta que tenho vontade de nem entrar, e o melhor que se pode esperar dos empregados é que, num dia bom, sejam só antipáticos. Quando o café foi transformado em restaurante dei o caso como perdido, uma dica de que não valia a pena continuar a tentar. Mas esta semana precisava de fazer tempo antes de um compromisso, estava por ali, e tinha comigo um livro que estava mesmo a pedir um chá e uma mesa de canto; foi a meio da tarde, o Brown's estava vazio, e a música estava um pouco menos alta que o costume (ou seja, seria possível ignorá-la, com os meus ascultadores no máximo); arrisquei e não foi uma má aposta. O livro em questão é "O Homem Sem Qualidades", numa tradução inglesa da Picador (que me custou €22, volume completo, por contraste com os €30 euros pedidos por cada um dos três volumes da edição portuguesa, mas enfim, isso é toda uma outra história). Será a minha grande-leitura-de-Outono.
Costumo ter dois picos de leitura durante o ano: uma lista de leitura para as férias do Verão, quando a cabeça mais livre me permite despachar mais livros decentes num par de semanas que em vários meses, e uma grande-leitura-de-Outono, quando escolho um clássico longo, que leio algures entre Outubro e Dezembro, dependendo da disponibilidade horária e mental. Foi assim que li o "Guerra em Paz", e o "Ulysses", por exemplo, e tenho um carinho especial por esses momentos de leitura, que geralmente acontecem em serões e fins de semana de chuva e ronha, com um exagero de mantas e litros de chá à mistura. Gosto muito dessa sensação de "cair" para dentro de um livro e esquecer-me de que existe mundo lá fora, e acho que isso é mais fácil quando chega o tempo frio, e a casa parece mais apetecível e acolhedora; sinto-me sempre feliz quando me lembro dessas leituras passadas, desde a companhia que a série, mais leve, do "Harry Potter" me fez num momento de maior solidão, há muitos anos, até ao gozo que tive em cair para dentro do "Guerra e Paz", de tal modo que apagava a luz para dormir, mas acabava sempre por ir buscar o tablet recém-adquirido para, mesmo no escuro, poder ler "só mais um bocadinho". Este ano, devido à carga de trabalho acrescida com o mestrado, não consegui ler durante o Verão, e por isso acho que este ritual do tempo frio ainda vai saber melhor.
Ainda estou muito no começo do "Homem Sem Qualidades", mas é um daqueles casos em que ao fim de uma dúzia de páginas já sabia que ia gostar muito deste livro. Para já estou fascinada com as descrições do "ar dos tempos", da sociedade, dos indivíduos: são ricas, perspicazes e de uma ironia fina. Mas o que mais surpreende não é só o facto de haver ali tanto que ainda hoje se aplica, tendo em conta que o livro é muito focado na descrição e crítica de uma época e contexto específicos (os últimos anos do Império Austro-Húngaro), e que foi escrito ainda antes da Segunda Guerra Mundial; mais que isso, há fenómenos, características, modos de pensar, que Musil pareceu perceber muito antes de eles se materializarem completamente, de tal modo que certas passagens, lidas hoje, parecem quase prescientes.
Lisboa | Outubro 2017
Cafés & música
Lisboa | Setembro 2017
Como tornar melhor um dia que tinha tudo para correr bem e não correu: o cadeirão vermelho no canto, junto da máquina de escrever, chá, um caderno e música bem alta nos ouvidos.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
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