Hoje fui ao médico. Estava no consultório quando começou a chover, e o cenário do lado de lá da janela emprestava definição ao lado de dentro, tornava as coisas e as conversas mais quentes e habitadas. Sempre gostei daqueles prédios antigos de tectos altos e cheios de frisos, das janelas compridas com vidraças e varandins, do ranger da madeira no soalho e nas escadas. Toda a casa parece viva e os sons, as madeiras a estalar e até as fissuras na tinta velha são como um respirar.
Esta tarde, com a chuva lá fora a ressoar nos telhados da Sé, pareceu-me que os dois lados da janela se validavam um ao outro. Eu existi para ver a chuva cair, para revestir de dignidade as casas velhas, as árvores mudas e a calçada, para devolver poesia à rua um pouco triste. E a chuva caiu para que eu não me perdesse. O Outono desassossegou as pessoas na rua para que, no lado de dentro da casa, eu não perdesse o meu lugar interior e não perdesse a minha união com as coisas. Houve um espelho nas poças e nas gotas que caíam dos beirais onde os pombos se abrigavam, para que eu fosse clara como água e o mundo transparente ao meu olhar.
Chamaram-me para ser atendida e quebrou-se o encantamento, mas a chuva ficou. E só quando parou é que me lembrei que não tinha guarda-chuva.
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