segunda-feira, 17 de março de 2025

O riso

Depois de quarenta anos de pequenas humilhações diárias, vendeu a alma ao diabo pelo dom da resposta rápida e demolidora. Gozou-o duas semanas — o tempo de encontrar o primeiro despeitado com uma navalha. Esvaiu-se em sangue a rir, um riso desbragado e selvagem de contentamento que havia de perseguir o assassino pelo resto da vida. No Inferno não sabiam o que fazer com ele: entre os gritos de dor, e independentemente da tortura atribuída, ria como um danado, e gozava os demónios com humilhações e remoques que ninguém conseguia contestar. No inferno já não o queriam, e no Paraíso não o podiam aceitar. Foi a única alma da História a quem foi concedido o descanso eterno, sem recompensa nem castigo. Fechou uma segunda vez os olhos, agora com alívio, e ainda um esgar de gargalhada.

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