Vivo num silêncio incompleto, cheio de palavras que ainda não é altura de dizer. Espero a construção de um silêncio perfeito e imenso; esse há-de inundar tudo, e será o tempo de escrever. Preciso dos espaços vazios que ressoam - de me sentar pela noite dentro à beira da falésia na Foz, rodeada pelo rugido do mar e contemplando o Cisne em que um dia hei-de embarcar; de me estender no chão do bosque "e esperar que as folhas mortas me cubram"; de me abrigar no calor das dunas e do areal numa tarde de nevoeiro. E o meu lugar é o grande silêncio, e as minhas palavras não pertencem aos amigos, aos convivas, mas à escrita concretizada nas marés desse grande silêncio, ou simplesmente ao espaço imperfeito e quotidiano onde a escrita se constrói, ainda que não se realize. Ainda que fique por aí, numa espera onde só de muito em muito tempo se avista o outro lugar, isso será já um milagre para estas palavras, uma realização digna e fulgurante da minha vida, alheia e distraída entre os comensais no meio dos quais vivo, sempre demasiado longe do silêncio ressoante do mar às três da manhã.
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