segunda-feira, 5 de abril de 2021

In the light from conflagrations

O desencanto levanta um muro entre mim e as coisas a que pertenço. Não há-de durar. Não por mim (dificilmente por mim), mas pelas coisas, que merecem ser celebradas. Nesta vida de absurdos e pequenez há, ainda assim, a possibilidade de êxtase, praias desertas, uma passagem de Camus que me salva, uma certa Lisboa, Londres, a aldeia da minha Mãe, os livros, Kavafis, "Uma Carta no Inverno" e "Nocturno de Malmö" do V.G.M., "Return to the Moon" dos El Vy, Astor Piazzolla, Musil, cerejas, Woolf, entardeceres de Verão, museus, um verniz rosa-claro com brilhos dourados, igrejas e capelas onde há silêncio e luz, o Malhadal, o pinhal atrás da casa da minha Avó, livros de arte, poemas sobre gatos. Não sou só o puro corpo de visão e testemunho que reconheci ser na minha primeira praia; sou um instrumento de êxtase e celebração.

In the light from conflagrations

"A special grace, self-forgetfulness, or a homeland." Como é sempre o caso comigo, a opção impossível é a única que está ao meu alcance. E, como é sempre o caso comigo, enquanto for a que mais me interessa, é porque não está tudo perdido.

In the light from conflagrations

"Originally innocent without knowing it, we were now guilty without meaning to be: the mystery was increasing with our knowledge. This is why, O mockery, we were concerned with morality. Weak and disabled, I was dreaming of virtue! In the days of innocence I didn’t even know that morality existed. I knew it now, and I was not capable of living up to its standard. On the promontory that I used to love, among the wet columns of the ruined temple, I seemed to be walking behind someone whose steps I could still hear on the stone slabs and mosaics, but whom I should never again overtake. I went back to Paris and remained several years before returning home. Yet I obscurely missed something during all those years.
When one has once had the good luck to love intensely, life is spent in trying to recapture that ardor and that illumination. Forsaking beauty and the sensual happiness attached to it, exclusively serving misfortune, calls for a nobility I lack. (...) These are the days of exile, of desiccated life, of dead souls. To come alive again, one needs a special grace, self-forgetfulness, or a homeland. Certain mornings, on turning a corner, a delightful dew falls on the heart and then evaporates. But its coolness remains, and this is what the heart requires always. I had to set out again."

Return to Tipasa, Albert Camus

EL VY, "Sad Case / Happiness, Missouri"

EL VY, "Need a Friend"

domingo, 4 de abril de 2021

O deus abandona António

Se, abruptamente, à meia-noite ouvires
um tíaso invisível a passar,
com músicas divinas e algazarra -
a tua fraca sorte, as tuas obras
frustradas, os teus planos que afinal
eram miragens, não os lamentes em vão.
Como se há muito pronto, como um bravo,
despede-te da Alexandria que te foge.
E, sobretudo, não te enganes, e não digas
que te mente o ouvido; não consintas
albergar essas ocas esperanças.
Como se há muito pronto, como um bravo;
como cabe a quem merece tal cidade,
vai, chega-te à janela resoluto
e ouve com emoção, mas não com
os prantos e os protestos dos cobardes,
num último deleite, os sons lá fora,
a divina toada do cortejo oculto e
diz adeus à Alexandria que vais perder.


Konstantinos Kavafis (trad. Manuel Resende)