"Da minha parte, sou sensível também às circunstâncias culturais dos textos, e até às empíricas. Imagino, com comoção, a extracção do barro às margens do Eufrates, para que nele se pudessem inscrever narrativas. Imagino essas placas, inscritas com arcanos e palavras capazes de sustentar o universo humano, a secar ao sol ou a cozer nos fornos em que também se fazia o pão. Tudo isso me faz pensar num assombro que emanaria da palavra escrita e que já não estamos em condições, talvez, de determinar. Serei talvez vítima da ilusão que costuma confundir o mais antigo com o mais primordial. Mas ao ler os textos mesopotâmicos, em especial o Gilgamesh, sinto-me sempre (talvez ingenuamente) à espera de surpreender os passos perdidos dessa seriedade abismal sem a qual a literatura não poderia ter vindo à existência."
Francisco Luís Parreira, em entrevista ao Ípsilon acerca da sua tradução para Português do Gilgamesh (02.06.2017)
Sem comentários:
Enviar um comentário