domingo, 3 de fevereiro de 2019

à espera

Fala-se muito nos católicos, mas a ideia de que o corpo é a pior parte de nós, suja e inferior, é transversal, com mais ou menos nuances, a boa parte das religiões. São todas cegas, quando não vêem que o maior mal do corpo não é o vício, o excesso, a tendência para nos perdermos por ele, mas a sua fragilidade de casca de ovo: o facto absurdo e inevitável de que o veículo do nosso milagre e da nossa alegria se pode desfazer com um sopro.
Neste momento aguardamos um diagnóstico nos diga se escapamos à palavra de seis letras que é uma das maldições da família, reunidos à volta de alguém que ainda me é mais querido do que era (e era tanto!) quem esteve na origem da melhor coisa que já fiz, em termos académicos. Foi um trabalho para Bioética, chamado "Esperança e Realismo em Doenças Terminais", e chorei quando acabei de o escrever. Tenho dado por mim a rondá-lo, mas sem coragem de o reler, não sei à procura de quê, e a pensar que a vida nos devia deixar pôr uma redoma à volta de certas pessoas. Entretanto esperamos, e penso que há esperas a que nunca nos habituamos, por mais vezes que sejam repetidas.